Atualizado em: 12/03/2025 – 12:03:49
Autor: Elson Bruno Vieira Soares / OAB/MG 227.588
Por muito tempo, na relação entre médico e paciente, as decisões relacionadas ao tratamento assistencial eram tomadas exclusivamente pelos médicos, com os pacientes sendo encaminhados para tratamentos, cirurgias e procedimentos médicos sem que lhes fosse fornecida qualquer explicação ou opção a respeito. Após a Segunda Guerra Mundial, passou-se a compreender que o ser humano não seria mais apenas um titular de direitos formais, mas sim dotado de autonomia e livre-arbítrio, o que marcou o início da era da dignidade humana.
A Constituição Federal de 1988 estabelece a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) como fundamento do Estado brasileiro e assegura a vida digna como um dos princípios da Ordem Econômica Nacional (art. 170). Do ponto de vista ético-jurídico, a dignidade humana está relacionada à prioridade de autonomia do indivíduo para decidir livremente sobre aspectos da sua vida, intimidade e privacidade.
Na área da saúde, a dignidade humana está associada ao dever do profissional médico de informar ao paciente sobre os procedimentos aos quais ele será submetido. A pessoa deve consentir com tais atos de forma livre, sem qualquer coação ou influência indevida, o que deu origem ao conceito de consentimento livre e esclarecido. Nesse contexto, o Código de Ética Médica – CEM, em 2009, aprovou o Princípio Fundamental XXI, que assegura aos pacientes o direito de participar do processo de decisão em relação aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos.
O primeiro consentimento escrito na história da medicina teria ocorrido na Turquia, em 1539, durante a Idade Moderna. Embora o documento não fornecesse todas as informações do procedimento, ele registrava o consentimento escrito do paciente. Nesse passo, o consentimento esclarecido surgiu no século XIX, mas passou a ser efetivamente utilizado apenas no século XX, havendo poucas informações em relação à sua prática antes de 1960 (CFM, 2016, p. 11).
No Brasil, a Resolução CNS nº 196/1996 estabelece o consentimento livre e esclarecido como uma exigência, em respeito à dignidade humana, em todas as pesquisas envolvendo seres humanos.
Além disso, considerando a relação de consumo nos serviços prestados pelo médico, a Constituição Federal de 1988, nos artigos 5º, XXXII, e 170, V, garante a proteção do consumidor. O Código de Defesa do Consumidor de 1990, por sua vez, estabelece como direito básico do consumidor o acesso a informações claras e adequadas sobre produtos e serviços, incluindo especificações de quantidade, características, composição, preço, bem como os riscos envolvidos.
O artigo 24 do Código de Ética Médica proíbe o médico de impedir o paciente de exercer seu direito de decidir livremente sobre sua própria saúde e bem-estar. No entanto, existem exceções quanto ao fornecimento de informações, como nos casos em que a comunicação direta ao paciente possa lhe causar danos, sendo que nessa situação, a informação deve ser repassada ao seu representante legal, conforme prevê o artigo 34 do CEM.
O consentimento livre e esclarecido representa a expressão da vontade do paciente, refletindo sua decisão sobre a aceitação ou recusa dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos propostos. Para que isso ocorra, é essencial que o consentimento forneça informações claras e completas, bem como seja adequadamente explicado para que o paciente ou seu responsável legal possa tomar uma decisão informada, ciente dos aspectos envolvidos e das possíveis consequências decorrentes, e livre de qualquer influência que possa causar erro, simulação, coação, fraude, mentira ou qualquer outra forma de restrição.
A capacidade para outorgar o consentimento está relacionada à aptidão do indivíduo para exercer atos da vida civil. Nos termos do Código Civil (arts. 3º, 4º e 5º), são plenamente capazes aqueles com 18 anos ou mais, enquanto menores de 16 anos são absolutamente incapazes, devendo ser representados por seus responsáveis legais. Já os menores entre 16 e 18 anos, assim como aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, são relativamente incapazes, devendo ser assistidos por seus responsáveis legais, cujas manifestações devem ser levadas em consideração.
Do ponto de vista ético, a validade moral do consentimento exige a consideração da opinião do paciente conforme sua capacidade de decisão. Nessa perspectiva, surge o assentimento livre e esclarecido, que garante ao paciente legalmente incapaz o direito à informação, permitindo-lhe, junto ao representante legal, manifestar-se de forma autônoma sobre os procedimentos médicos propostos, aceitando-o ou não. Dessa forma, crianças, adolescentes e pessoas com deficiência, desde que aptas a compreender e expressar sua vontade, devem participar do processo de informação e decisão (CFM, 2016, p. 13, 16 e 17).
A Santa Casa BH, comprometida com o direito do paciente e do seu responsável de ter acesso a informações claras e acessíveis para a tomada de decisão sobre o TCLE, lançou o projeto Letramento em Saúde. A iniciativa estabelece um padrão de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que garante transparência sobre o procedimento, inclusive em relação aos possíveis desconfortos, benefícios, riscos, métodos alternativos, consequências da não realização e cuidados pré e pós-procedimento. Para isso, adota um layout de fácil compreensão e diretrizes de escrita que evitam termos técnicos, facilitando a assimilação das informações.
Por todo exposto, o consentimento livre e esclarecido é um reflexo da dignidade e autonomia do paciente, garantindo seu direito à informação e à decisão sobre sua própria saúde. Com base em princípios éticos e legais, sua aplicação fortalece a relação médico-paciente e promove um atendimento mais humanizado. Iniciativas como o projeto Letramento em Saúde da Santa Casa BH reforçam esse compromisso, assegurando que os pacientes tenham acesso a informações claras e compreensíveis para uma escolha consciente.
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Referências:
- CFM, Conselho Federal de Medicina. Recomendação CFM nº 1/2016: dispõe sobre o processo de obtenção de consentimento livre e esclarecido na assistência médica. Brasília, 21 de janeiro de 2016. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/Recomendacoes/1_2016.pdf. Acesso em: 03 de março de 2025.
- CFM, Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica. Brasília, 2019.Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf. Acesso em: 03 de março de 2025.
- BRASIL, Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Brasília, 10 de outubro de 1996. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/1996/res0196_10_10_1996.html. Acesso em: 03 de março de 2025.
- BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da União, Brasília, 12 set. 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 03 de março de 2025.
- BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jan. 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 3 mar. 2025.
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 3 mar. 2025.