Atualizado em: 14/04/2025 – 13:04:05
Autora: Débora Barros Vaz De Mello / Nº da OAB/MG 198.168
Você já parou para pensar na importância de ter acesso gratuito a medicamentos? No Brasil, isso é possível graças ao Sistema Único de Saúde (SUS), que garante à população o direito de receber medicamentos essenciais. Essa iniciativa vai muito além da economia no bolso: trata-se de salvar vidas, controlar doenças e promover mais qualidade de vida para milhões de brasileiros.
Essa distribuição é regulamentada pela Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF), que orienta a organização e o fornecimento de remédios pela rede pública. Para garantir que os tratamentos mais necessários sejam disponibilizados, o SUS adota a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), que lista os fármacos fornecidos regularmente na rede pública. Além disso, algumas cidades e estados contam com a Relação Municipal e Estadual de Medicamentos (REMUNE), que pode complementar essa lista conforme as necessidades locais.
Os medicamentos disponibilizados pelo SUS são organizados em três categorias: Componente Básico, Componente Estratégico e Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Essa divisão visa racionalizar a oferta e atender às especificidades de cada patologia.
O Componente básico engloba medicamentos para condições prevalentes na Atenção Primária à Saúde, que é o primeiro nível de atenção do sistema de saúde, como hipertensão e diabetes, sendo distribuídos pelos municípios. O Componente Estratégico destina-se ao tratamento de doenças que demandam controle epidemiológico, tais como tuberculose e HIV, sendo gerido pelo governo federal. Já o Componente Especializado contempla fármacos de alto custo para enfermidades complexas, exigindo análise criteriosa e documentação específica para sua concessão.
Apesar dessa estrutura, diversos desafios administrativos impactam a regularidade da oferta de medicamentos pelo SUS. Problemas logísticos, como falhas na distribuição e no armazenamento, desabastecimento causado por atrasos em compras ou dificuldades com fornecedores, além das limitações orçamentárias, frequentemente resultam na indisponibilidade de determinados fármacos na rede pública. Outro obstáculo relevante é a distinção entre os medicamentos incorporados, que fazem parte da lista oficial do SUS definida pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), e aqueles não previstos, que ainda não foram incluídos nessa relação e, portanto, não têm fornecimento garantido pelo sistema público. Quando um medicamento essencial não está disponível, o paciente deve, inicialmente, buscar esclarecimentos junto à Secretaria de Saúde do município ou do estado para verificar alternativas administrativas, como a substituição por outro fármaco disponível ou a previsão de novas aquisições.
Na ausência de alternativas viáveis, resta ao cidadão recorrer ao Poder Judiciário para pleitear o fornecimento do medicamento. A judicialização da saúde tem se intensificado nos últimos anos, com a propositura de ações individuais que buscam garantir o acesso a tratamentos não ofertados regularmente pelo SUS. Para ingressar com a demanda, o paciente deve apresentar prescrição médica detalhada, laudos que justifiquem a necessidade do tratamento e, em alguns casos, demonstrar a ineficácia das terapias padronizadas.
A falta de acesso a medicamentos pode comprometer a qualidade de vida dos pacientes, levando a desfechos adversos, hospitalizações evitáveis e sobrecarga dos serviços de saúde. Portanto, assegurar o fornecimento contínuo de tratamentos essenciais é uma prerrogativa do Estado que deve ser executada com eficiência e transparência.
Embora a judicialização possa garantir o acesso a tratamentos em casos específicos, ela também impõe desafios à gestão do SUS. O aumento de decisões judiciais determinando o fornecimento de medicamentos não incorporados às listas oficiais compromete o orçamento da saúde pública, desviando recursos de políticas coletivas planejadas. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Tema 1234, estabeleceu critérios para a concessão judicial de medicamentos fora da lista do SUS, reforçando a necessidade de comprovação da eficácia do tratamento e da incapacidade financeira do paciente, além da inexistência de alternativas terapêuticas disponíveis no sistema público.
Além disso, a judicialização pode gerar disparidades no acesso, privilegiando indivíduos que dispõem de maior conhecimento sobre seus direitos e de assistência jurídica para pleiteá-los. Essa situação cria um cenário de desigualdade, no qual pacientes que ingressam com ações judiciais podem obter tratamentos não disponibilizados a outros cidadãos em condições semelhantes.
Outro ponto crítico refere-se à inclusão de fármacos experimentais ou sem comprovação científica robusta em decisões judiciais. Em alguns casos, a ausência de avaliação técnica por parte das instâncias reguladoras, pode resultar no fornecimento de medicamentos cuja eficácia e segurança ainda não foram amplamente estabelecidas, gerando riscos à saúde pública.
Diante desse cenário, torna-se imprescindível aprimorar a governança da assistência farmacêutica no SUS, garantindo maior previsibilidade na aquisição e distribuição dos medicamentos. Estratégias como o fortalecimento das avaliações de tecnologias em saúde, o planejamento adequado de compras e estoques e o estímulo ao uso racional dos recursos são medidas fundamentais para evitar a necessidade de judicialização.
Além do papel desempenhado pelo SUS, algumas instituições filantrópicas contribuem significativamente para a assistência farmacêutica, especialmente no âmbito hospitalar. A Santa Casa BH é um exemplo de entidade que viabiliza o acesso a medicamentos fundamentais para pacientes internados e em tratamento de alta complexidade.
A atuação da Santa Casa BH não se limita ao fornecimento de fármacos, abrangendo também suporte clínico e assistência multidisciplinar, garantindo que os pacientes recebam tratamentos adequados conforme suas necessidades específicas. Essa parceria entre o setor público e as entidades filantrópicas fortalece o atendimento prestado à população, ampliando o alcance das políticas de saúde.
Outro aspecto relevante é a necessidade de maior disseminação de informações sobre os direitos dos cidadãos no acesso a medicamentos pelo SUS. Muitas pessoas desconhecem os procedimentos necessários para obtenção gratuita de fármacos e acabam enfrentando dificuldades que poderiam ser evitadas com uma orientação adequada.
O aprimoramento dos sistemas de gestão de medicamentos, aliando tecnologia e boas práticas administrativas, pode contribuir para evitar desperdícios e garantir maior eficiência na distribuição dos insumos farmacêuticos. A implementação de ferramentas digitais para monitoramento de estoques e controle de dispensação pode otimizar a logística e reduzir a incidência de desabastecimento.
A transparência na alocação de recursos também é um fator crucial para a eficiência da assistência farmacêutica. O acesso a informações claras sobre os critérios de inclusão de medicamentos nas listas oficiais, e os investimentos realizados na área, permite à sociedade acompanhar e cobrar melhorias na gestão pública.
O direito à saúde, previsto na Constituição Federal, inclui o acesso a medicamentos essenciais, mas a efetivação desse direito ainda enfrenta inúmeros desafios. A burocracia, a falta de planejamento e a crescente judicialização demandam esforços conjuntos entre gestores, profissionais da saúde e sociedade civil para que a assistência farmacêutica ocorra de maneira equânime e sustentável.
É fundamental refletirmos sobre a necessidade de aprimoramento das políticas públicas voltadas ao fornecimento de medicamentos. O fortalecimento do SUS e o estabelecimento de estratégias que reduzam a judicialização são caminhos necessários para assegurar que todos os cidadãos tenham acesso adequado aos tratamentos de que necessitam.
A colaboração entre o Estado, instituições filantrópicas e a população é essencial para promover um sistema de saúde mais justo e eficiente. Somente com planejamento estratégico, transparência na gestão e compromisso social será possível garantir que ninguém fique desassistido por falta de um medicamento essencial.
Com esforços coordenados, podemos avançar na construção de um modelo de assistência farmacêutica mais acessível, equitativo e sustentável, reafirmando o compromisso com o direito fundamental à saúde e a dignidade da população brasileira.